“Eu prometo ser-te
fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,
na pobreza e na riqueza, todos os dias da nossa vida”.
Casamento, rito de passagem, aliança
entre duas partes, ato simbólico que se legitima perante a sociedade, a
religião e a lei. Se realiza no cartório (Estado), em instituições religiosas,
em cerimônias públicas, ou na promessa de viver juntos.
Esse rito pressupõe mudanças na vida,
na conduta dos indivíduos e na forma como são vistos na sociedade. Passam a ter
responsabilidades de um para com o outro, e esse compromisso direciona também
seus comportamentos, marcando o que antes era permitido e agora não mais.
Dessa forma, o sucesso da aliança,
desse pacto será pautado pela vigilância cotidiana, já que se promete cuidar do
outro todos os dias.
Ancorado nos sentidos do matrimônio,
enquanto cerimônia pública, o assumo neste trabalho, que de fato foi um
processo. Já algum tempo essa aliança entre indivíduo e artista, entre viveres
e personagens, instituições e conceitos, estava sendo construída, em meio a
conflitos, dúvidas, anseios, inseguranças e medos. E o que poderia parecer uma
ameaça, mostrou-se um ímpeto, diante do desejo de não se calar diante desse
incômodo.
Ao casar comigo mesmo, elaboro dois
personagens, um masculino e outro feminino. Diferente de trabalhos anteriores,
eles exigiram uma produção mais densa, principalmente com relação à quantidade
de envolvidos: costureira, lavanderia, maquiadora, manicure, motorista, entre
outros.
Transitar por esses dois universos,
que envolvem as relações de gênero me possibilitou viver experiências jamais
imaginadas, como por exemplo, marcar horário no salão de beleza para modelar as
sobrancelhas. A situação me pareceu estranha, me senti fora do eixo, porém o
personagem pedia todas essas vivências.
Assim como a noiva é a figura que mais
chama atenção num casamento, no dia do ensaio fotográfico, foi a
foto-performance que mais afetou o público transeunte. As pessoas paravam para
fotografar, passavam e como pareciam não acreditar no que viam, voltavam para
perguntar o que era aquilo, porque e para quê se fazia. Também cantavam marcha
nupcial, acenavam para a noiva, mas alguns (homens) foram afetados de outra
maneira e expressaram isso com agressividade: “Vou descer a vara nessa noiva”, “Vou
enfiar minha pica nessa noiva”.
Juntamente com essas ofensas com
conotações sexuais, percebi que muitos não me viram como a noiva, mas como “o viado”, “a bicha”, “baitola”, “mulherzinha”,
“fresco”. Esses e outros vários xingamentos
foram ataques a todo aquele universo feminino: vestido de noiva branco e véu, e
a todos os significados que remetiam ao estarem no corpo de um homem.
Foi algo muito doloroso, me fez perder
o rumo, e por alguns instantes pensei em interromper o trabalho. Porém,
continuei. Em apenas duas horas travestido, eu vivenciei o quão perversa é a forma
como travestis são tratados. E a selvageria foi tão intensa, que ainda hoje
relembro o que ouvi naquela tarde.
Mesmo ao tirar o vestido e a
maquiagem, esses sentimentos e o olhar de reprovação das pessoas permaneceram,
junto com a nova modelagem de minhas sobrancelhas. Por quase um mês, essa marca
em meu corpo suscitaram comentários, brincadeiras, observações de colegas,
principalmente no meu ambiente de trabalho, como servidor público. Alguns
colegas pareciam se sentir agredidos, incomodados com essa mudança no meu
corpo, e também outras transformações que isso poderia comunicar. Fingi que não ouvia as indiretas, e como
afirma o dito popular de “ãrã em ãrã, se engole muito sapo”.
Embora seja um personagem, penso que essa
reação agressiva, marcante somente no ensaio fotográfico da noiva, mostra como as
relações de gênero apresentam poucos avanços. Muitas vezes nem sequer são
consideradas relevantes, são um “problema” dos outros.
A Promessa B
Dalton Paula
Fotografia
Papel fotográfico fosco, laminado fosco sobre PVC
60 x 270 cm
Foto: Heloá Fernandes
2012
A Promessa P
Dalton Paula
Fotografia
Papel fotográfico fosco, laminado fosco sobre PVC
60 x 270 cm
Foto: Heloá Fernandes
2012
Obrigado Dalton!
ResponderExcluirPor compartilhar sentimentos tão íntimos com conhecidos e desconhecidos; e de forma tão impactante, ritualística, singela.
Maravilhosa forma de amor ao próximo!
Te admiro.
Eucir
Muito bom. Fiquei encantada. Você, como sempre, fazendo a diferença... Parabéns!
ResponderExcluirAlessandra Santos.