Desenvolvo,
paralelamente à atividade artística, o ofício de bombeiro, no qual tenho a
função de socorrista, por isso transito bastante pela cidade, em virtude do
alto índice de ocorrências. E em razão de uma grande carga horária de trabalho,
resolvi trabalhar com pinturas prontas, que são os muros de casas, fachadas,
comércios e indústrias. Logo, tenho aproveitado essas andanças para mapear
muros pela cidade.
Quando
tenho em mente alguma ideia de um trabalho pronto, revisito os muros mapeados e
confiro se estão como antes, pois a transformação do espaço urbano é algo
contínuo, em uma semana está de uma cor, na outra já mudou e no mês seguinte,
foi demolido.
No processo
de produção da série “Corpo Silenciado”, conto com a colaboração de
profissionais e amigos, que contribuem de forma preciosa. Logo, sem eles não
seria possível executar o trabalho e obter esses resultados.
O primeiro
profissional que surge é o fotógrafo, ao qual sempre apresento a proposta do
trabalho, desenvolvendo um diálogo, aponto o enquadramento desejado, a composição,
os locais, a postura do corpo, posição do objeto. No entanto, o trabalho não
está fechado, pois os fotógrafos também interferem com alguma sugestão técnica
ou até mesmo estética, ou seja, tenho uma ideia inicial que se transforma no
desenrolar do processo.
Os
enquadramentos das fotos são pensados com o intuito de proporcionar ao corpo e
ao muro um espaço de visibilidade. O corpo se posiciona lateralizado à direita,
à esquerda o muro é enquadrado no meio do díptico, uma alusão aos santos gêmeos
São Cosme e São Damião, que aqui se expressa em um desdobramento para abordar a
relação entre eu e o outro. Ao assumir todo o campo da imagem, o corpo clama
por ser visto e assume seu papel político.
Optei por
ser fotografado naturalmente, sem a utilização de maquiagem, cremes, óleos ou
qualquer tipo de cosmético, pois meu objetivo era expor as particularidades e
imperfeições desse corpo, visto que essa escolha dialoga com as reflexões
propostas pela série, enquanto inquietação, questionamento, da imagem, do
corpo, da representação.
Esse corpo
que se desdobra em quatro ensaios, propõe um questionamento acerca do silêncio
imposto ao meu corpo negro, um silêncio que exatamente por sua invisibilidade
parece não existir, é uma violência sutil, mas absolutamente perversa, pois é
dissimulada, mascarada, ardilosa, afirma e ao mesmo tempo nega, acolhe e ao
mesmo tempo exclui, destaca e ao mesmo tempo estigmatiza.
Esse
silêncio que talvez pudesse ser chamado de “silenciamento” não se refere apenas
à ausência de voz, de sons ou ruídos, mas também a uma interrupção, a um cessar
brusco do desejo, das aspirações e da subjetividade do indivíduo negro. Esse
silêncio é o olhar desconfiado, as expressões corporais que não têm voz, mas
falam do medo, da repulsa para com o meu corpo negro. Considero esse silêncio a
expressão máxima de algo que diz a esse corpo, mesmo sem palavras qual é o seu
“devido lugar”, oprime-o, delimita o seu espaço de ação, aprisiona-o em si
mesmo.
E como
reação a essa maneira tão incisiva que o silêncio incide sobre o corpo negro é
que ele se cala, nega-se, anula-se diante do medo de enfrentar questões tão
dolorosas, tão íntimas, com as quais teve que obrigatoriamente aprender a
conviver, mas assim como existe um pulsar que impede um silêncio absoluto,
também o corpo negro é capaz de buscar outras espacialidades onde possa
questionar, jogar com as máscaras, ser ele mesmo, assumir-se, libertar-se no
gesto e no espaço.
*Este texto faz parte do trabalho de conclusão de curso "Corpo Silenciado".
Dalton Paula
Corpo Território A
2010
Fotografia
20 x 60 cm
Foto: François Calil
Dalton Paula
Corpo Território C
2010
Fotografia
20 x 60 cm
Foto: François Calil
Dalton Paula
Corpo Receptivo A
2010
Fotografia
30 x 90 cm
Foto: Mário Souza/ Tratamento de imagem: Heloá
Fernandes/ Serralheria: Evandro Soares
Dalton Paula
Corpo Receptivo C
2010
Fotografia
30 x 90 cm
Foto: Mário Souza/ Tratamento de imagem: Heloá
Fernandes/ Serralheria: Evandro Soares
Dalton Paula
Corpo Indivíduo B
2011
Fotografia
60 x 180 cm
Foto: Vinícius de Castro/ Tratamento de imagem:
Heloá Fernandes/ Serralheria: Evandro Soares
Dalton Paula
Corpo Indivíduo C
2011
Fotografia
60 x 180 cm
Foto: Vinícius de Castro/ Tratamento de imagem: Heloá Fernandes/ Serralheria: Evandro Soares
Dalton Paula
Corpo em Segredo B
2011
Fotografia
30 x 270 cm
Foto: François Calil/ Tratamento de imagem: Heloá
Fernandes
Dalton Paula
Corpo em Segredo P
2011
Fotografia
30 x 270 cm
Foto: François Calil/ Tratamento de imagem: Heloá
Fernandes
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